A Senhora Idosa

Maria Luiza terminou de lavar a louça e desligou a TV. Foi ao quarto, trocou de roupa, colocou uma sandália, pegou a bolsa e tomou o rumo da rua. Ela tinha determinado aquela tarde para ir até a unidade da Cruz Vermelha da sua cidade para fazer uma pequena doação em dinheiro às vítimas do terremoto do Haiti. Não era muita a quantia que ela poderia doar, mas sua consciência a instigava para que doasse assim mesmo.

Caminhou até a parada de ônibus e logo veio a lotação. Ao entrar, enquanto pagava a passagem, Maria Luiza percebeu um lugar vago no corredor. Uma vez sentada, viu que ao seu lado havia uma senhora idosa de cabeça baixa, a qual soluçava em silêncio. Como Maria Luiza sempre fosse bem despachada, não se conteve e perguntou: “Boa tarde, senhora, o que aconteceu? Por que está chorando?”

Tendo enxugado as lágrimas, a senhora falou: “Boa tarde, minha filha!” Aquele “minha filha” dito tão meigamente calou fundo no coração de Maria Luiza, parecia que era sua mãe, ou sua avó dizendo aquilo. Maria Luiza já tinha passado diversos trabalhos na vida e intuiu que aquele “minha filha”, dito daquela maneira, revelava uma situação gritante ou desesperadora.

A seguir a senhora continuou: “Não é nada não, não se preocupe!”. Maria Luiza já havia pressentido que havia algum problema sério; por que então a senhora idosa desconversava e afirmara que não era nada? “Não sei como, mas posso tentar te ajudar!”, disse Maria Luiza. E olhou fixamente nos olhos da senhora idosa, que, naquele momento, já lhe parecia ser da família, alguém como uma tia-avó distante.

Foi então que veio a resposta, entre soluços: “Agradeço, minha filha, mas não há como me ajudar! Estou indo ao enterro do meu único filho, falecido esta manhã no interior do estado. E nada vai me trazer ele de volta”… Puxa, pensou Maria Luiza… Então é por isso que ela está chorando e com a sacola entre as pernas… É uma sacola de viagem…

Maria Luiza então disse: “Você está me conhecendo agora, meu nome é Maria Luiza! Há algo que eu possa fazer pela senhora?” Depois de um breve silêncio, a senhora idosa respondeu, timidamente: “Se você pudesse, eu gostaria que fosse comigo até a rodoviária de Porto Alegre… É que eu tenho muito medo de andar na escada rolante…”

Maria Luiza riu internamente, sem que senhora idosa percebesse… Medo de escada rolante? Essa é boa… Mas seu coração imediatamente condoeu-se. Para Maria Luiza era uma situação normal andar de escada rolante, para a senhora idosa, pelo jeito uma situação terrível, de medos e angústias…

E então Maria Luiza respondeu: “Tá bem, pode ficar tranquila! Eu a levo até a rodoviária”. Diante de um suspiro de alívio daquela senhora, Maria Luiza também se sentiu melhor. A doação para as vítimas do Haiti podia esperar um pouquinho, pensou ela.

Crônica escrita por Gervásio Santana de Freitas

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