Quando o nosso Estado era ocupado pelas Missões Jesuíticas que floresciam entre campos, vales e florestas, rios e regatos, os índios viviam em pueblos dirigidos pelos jesuítas espanhóis. Os indígenas, exímios cavaleiros, eram treinados em fazendas que mantinham até seis mil bois e vacas e outro tanto de cavalos, mulas e animais menores.
Foi nesse contexto que o Antônio de Souza Fernando fundou a Fazenda Sapucaia, lugar onde ele recolhia os animais sobreviventes da destruição das Missões, então espalhados pelos campos, reproduzindo-se aos milhões.
Até essa época o Continente de São Pedro atraia aventureiros que vinham atrás de riqueza fácil. De início, esses predadores matavam os animais retiravam o couro e o sebo, altamente valorizados nos mercados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, deixando as carcaças, carnes e vísceras nos campos, servindo de pasto aos animais carniceiros.
Mas, após a descoberta do caminho pelo litoral, os tropeiros passaram a levar os animais vivos, em grandes manadas, até Curitiba, e daí distribuindo-os nas vilas e povoados, então extremamente carentes de alimentação.
A esses homens que percorriam a campanha em busca do gado, haviam se juntados os missioneiros desgarrados, sobreviventes das vilas missioneiras. Esses cavaleiros dotados de excepcional agilidade, foram fundamentais na formação do homem campeiro, que iria dominar a vasta região dos pampas.
O trabalho nas estâncias era árduo e perigoso, pois para sujeitar, transportar, conservar e domar o gado selvagem, o homem precisava de um longo aprendizado e perícia que só a coragem poderia dar.
O labor exigia bons músculos, valentia, domínio perfeito da montaria, sangue frio e audácia, pois seria impossível enfrentar um boi enfurecido a não ser montado no lombo de um cavalo forte, veloz e bem conduzido, de cima do qual, em disparada, o laço era atirado com admirável precisão, nos chifres e em frente das patas dianteiras, para a sujeição, o tombo e o pealo do animal.
A convivência diária nas estâncias, a vida ao ar livre, e a miscigenação inevitável entre brancos e índios gerou um novo homem, chamado “garrucho”, termo que mais tarde evoluiu para gaúcho. Homens, inicialmente errantes que andavam de rancho em rancho, vagabundeando pelos pampas, ora trabalhando numa estância, ora lutando em qualquer entrevero.
Hábil no manejo da boleadeira e do laço, dormiam ao relento, sobre os arreios e ponchos, sem parada fixa. Meio-homem, meio-bicho, acostumados a dura lida de campo, alimentavam-se principalmente de carne assada com farinha de mandioca, o churrasco. Eles popularizariam também o uso da beberagem quente feita com erva-mate, que tomou o nome de chimarrão. Antes apenas os indígenas utilizavam a erva-mate.
Os gaúchos percorriam muitas léguas para trabalhar. Andar a pé, para eles, era desonra. Não saberiam viver sem a sua montaria, pois o cavalo era considerado um complemento físico para esses homens.
O admirável preparo físico, a agilidade e coragem os transformaram em soldados ideais, pois não precisavam aprender a arte da defesa e do ataque. Bastava o toque de uma corneta e a ordem de atacar, para que abandonassem o laço e a boleadeira, que manejavam com inigualável destreza e tomasse a espada e a lança, que sabiam usar como ninguém, para se transformarem nos melhores combatentes da cavalaria do Brasil.
Assim eram os primeiros moradores de Sapucaia, quer fossem da família de Antônio de Souza Fernando, quer peões por ele contratados. E, varando os tempos, os gaúchos dominaram a região tornando-se figuras típicas de todo o Estado.
Nas décadas de 1940 e 1950, quando Sapucaia contava com oito matadouros, os tropeiros eram figuras que se destacavam no então 7º Distrito. Se antes as grandes fazendas reproduziam os animais, a partir do século XX, os matadouros passaram a receber os animais através de tropas que viajavam por semanas e até pelos trens. Os nossos tropeiros, a exemplo dos antigos gaúchos, conduziam a tropas pelas ruas, em alegre e arriscadas peripécias, até as invernadas. Dali, os animais seriam levados para o abate.
O nosso “caubói” ou gaúcho preferido era chamado carinhosamente de “Ari Sapo”. Entre tantos outros, ele se destacava quando um animal se desgarrava. Aos gritos de “boi solto, boi xucro”, nossos tropeiros saiam em disparada com laços em punho. Era uma festa observada de longe, nas janelas, portas e portões, sob a admiração das crianças e temor de mães apavoradas. Até 1960, a tropa que ia para o matadouro da Subsistência passava pela Vila São José assustando meio mundo e causando o maior reboliço.
TBT Sapucaia – Capítulo 7 – OS GAÚCHOS DE SAPUCAIA
Eni Allgayer
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