Carnavalito

A Rodoviária de Porto Alegre era um fervo de gente naquele momento. Centenas de pessoas circulavam de lá para cá, daqui para ali, a maioria delas numa atribulada correria que certamente só teria fim quando chegassem ao seu destino…

Mas havia alguns que não estavam com pressa. Ou estavam a trabalho e sem clientes em seus estabelecimentos ou eram desocupados que insistiam em pechinchar trocados… Um cachorro perambulava entre os pés dos transeuntes. Uma criança passou segurando a mão da mãe e com a outra, um pirulito colorido, o qual era lambido freneticamente. Mais ao longe, um senhor idoso tocava violão sentado numa caixa de madeira e soprava uma melodia numa folha verde…

Maria Luiza julgava improvável que alguém pudesse tocar uma melodia soprando numa folha, mas não é que dava para entender perfeitamente qual era a música? Era “Carnavalito”. Maria Luiza, ao ouvir a melodia, tinha a impressão de ouvir também a letra: “Llegando está el carnaval quebradeño, mi cholita…”

Cada qual com seu cada qual. Que sinuca de bico! Ela tinha uma passagem somente de ida para Dona Honorina… “Aqui está a sua passagem. Ir ao interior do Estado enterrar seu único filho a senhora vai poder ir… Eu completei o dinheiro que faltava… mas… Tem outra questão que preocupa mais… Como a senhora vai voltar, se agora está sem dinheiro?” Maria Luiza fez aquilo que julgava certo, a outra não tinha todo o dinheiro da passagem e, na ânsia de completar o valor, Maria Luiza comprou uma passagem que era só de ida… Bela ajuda…

Então a outra respirou fundo, olhou para as mãos idosas e comentou: “isso não é problema, minha filha! Deus está no controle de tudo… Eu me arranjo, alguém lá haverá de me emprestar a quantia da passagem para eu voltar… Mais importa agora ir enterrar o meu Onofre!”

Dona Honorina lançou mão na sacola de viagem. E enquanto ambas se encaminhavam para o box de embarque, o Carnavalito continuava a ecoar pelos corredores da Rodoviária, ficando porém, cada vez mais distante. “Faltam somente dez minutos para o seu ônibus”, disse Maria Luiza, conferindo o bilhete. “Temos de nos apressar”. Ao que a outra respondeu, um tanto quanto angustiada: “Tenho que ir ao banheiro…”, e cochichando, complementou: “preciso fazer xixi”…

Geralmente os idosos demoram mais nestes afazeres… Se Dona Honorina demorasse no banheiro e perdesse o ônibus, “adeus, tia Chica!”. Para complicar as coisas, de onde estavam já avistam o box de embarque e já havia um ônibus estacionado lá, certamente o ônibus que levaria Dona Honorina ao interior…

Não faltava mais nada, pensou Maria Luiza: precisar ir ao banheiro justo agora?

Crônica escrita por Gervásio Santana de Freitas

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