Passagem só de ida

Maria Luiza não tinha muito estudo, mas tinha ciência de que nem tudo são flores na vida e que, até pelo aspecto de aprendizado e evolução espiritual, todas as pessoas enfrentam dificuldades em momentos distintos da existência. Para uns o fardo parece mais leve, para outros mais pesado…

Dona Honorina, por exemplo, que barra pesada estava passando… o único filho havia morrido afogado no interior do estado e ela estava indo para o velório… Embora a tivesse conhecido na lotação naquela tarde, Maria Luiza se afeiçoara a ela… E se propôs a levá-la até a rodoviária de Porto Alegre… Mas o que ela não poderia imaginar, era que a outra estava com pouco dinheiro…

“Como pensa em ir no velório do seu filho se não tem dinheiro suficiente?”, perguntou Maria Luiza. Não foi preciso dizer mais nada: o mundo caiu… Dona Honorina desandou num choro silencioso e inconsolável. Enquanto se afastavam um pouco para que as pessoas que estavam atrás na fila pudessem chegar ao guichê, Maria Luiza tentou acalmá-la… Abraçou a outra e nada… Fez carinho em seus cabelos e nada… Afagou-lhe as faces e nada…

Bastante “manteiga derretida” com toda aquela situação, Maria Luiza começou a chorar também. E quanto mais Dona Honorina chorava, mais Maria Luiza chorava junto… As pessoas que circulavam no saguão olhavam desconfiadas para elas… Foi tanto que a própria Dona Honorina percebeu a fiasqueira e tratou de aquietar-se e de consolar Maria Luiza… “Não chore, minha filha, eu já estou melhor!”…

Maria Luiza se recobrou enquanto Dona Honorina comentava baixinho: “eu calculei que o valor da passagem não fosse ultrapassar o valor da quantia que eu tinha, mas me enganei…” E, depois de um pequeno instante e de um longo suspiro, ela mesma concluiu: “eu só vou receber no início do próximo mês, assim sendo, infelizmente não poderei ir me despedir do meu Onofre… vamos voltar! Seja o que DEUS quiser…”

Aquela afirmação dita em tom de resignação depois da outra ter superado o medo e depois de terem vencido o vexame na escada rolante, cortou o coração de Maria Luiza. Imagine: o filho morto naquelas horas já devia estar num caixão no interior do estado e a mãe teria de voltar para casa e não poderia ir ao enterro porque não tinha todo o dinheiro da passagem!? Que absurdo!

Maria Luiza acreditava que a morte não representava o fim; que na morte o corpo, que veio do pó, ao pó retorna… E, embora o corpo já estivesse sem vida, aquela pobre mãe tinha o direito de ir ao interior enterrar o filho… Assim pensando, Maria Luiza pegou o pouco dinheiro de Dona Honorina, voltou ao guichê e completou com seu próprio dinheiro o valor da passagem.

Foi só quando voltava com o bilhete na mão, feliz e contente, que percebeu que a outra agora tinha uma passagem… Só de ida… Caramba!, pensou Maria Luiza… Como Dona Honorina faria para voltar, se não tinha mais dinheiro?

Crônica escrita por Gervásio Santana de Freitas

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