Maria Luiza não tinha estudo, mas não era burra. Ela sabia que quando nosso dia a dia nos coloca em contato frequente com determinadas coisas, mesmo bizarras, aos poucos nos acostumamos com elas. É assim com a violência, tão banalizada nos dias de hoje nos meios de comunicação, ao ponto de acharmos estranho não a violência em si, mas o seu contrário, ou seja, quando não tem uma notícia sequer de morte que jorre sangue pela tela da TV ou do computador, pelas páginas do jornal ou pelas ondas de rádio…
Assim deve ocorrer com Dona Honorina, pensou Maria Luiza, a qual tem um medo mórbido de escada rolante. Ela foi criada num ambiente em que as escadas eram firmes, fixadas na madeira ou nos tijolos… Para este tipo de pessoa, trepar em escada de obra já é algo como praticar esporte radical, imagine o que pensar de uma escada rolante? É como se os degraus fossem monstros sanguinários…
Naquele exato instante, no hall da estação do metrô, ambas aprumaram em frente à “boca” da escada rolante. Não tinha mais jeito, Dona Honorina teria de enfrentar aquele medo para ir até a rodoviária de Porto Alegre e, dali, ao interior do estado, onde estava sendo velado seu único filho, morto por afogamento… Para acalmar o nervosismo de Dona Honorina, Maria Luiza comentou: “Pode ficar tranquila, vou lhe segurar firme pelo braço. A senhora só tem que dar um pulinho quando formos entrar na escada rolante e outro pulinho quando formos sair, combinado?”
O grande problema é que nem sempre as pessoas entendem exatamente o que queremos exprimir… Maria Luiza arrependeu-se até o último fio de cabelo… Que desastre! O que era para ser um pulinho transformou-se num pulo de proporções exageradas que desequilibrou ambas, pegadas que estavam pelos braços, derrubando-as por sobre a sacola de viagem…
Maria Luiza não sabia se ria ou se chorava enquanto levantava-se o mais rápido que podia, olhando para cima e para baixo, a escada em movimento… Tinha vontade de chorar, mas resolveu rir, um riso pálido e sem graça, porque havia pessoas olhando para ambas, algumas escondendo o rosto para rir, outras tão sérias que mais pareciam lápides, mas certamente também segurando o riso, pensou Maria Luiza…
Que fiasco… Recobrando-se da desajeitada situação, Maria Luiza estendeu a mão para ajudar Dona Honorina, ainda caída, a levantar-se e percebeu que as mãos dela suavam como um vertedouro de água… “Não foi nada! Estamos vivas!”, disse Maria Luiza para encorajar a outra, a qual, envergonhada, disse baixinho: “desculpe, minha filha!”
O pior da história é que Maria Luiza sabia que recém estavam a meio do percurso da escada rolante… E ainda havia um trecho a percorrer… Com todo aquele medo de Dona Honorina, o que mais poderia acontecer até chegarem lá embaixo? Como seria a saída da escada rolante? E como haveria de ser a entrada no trem?
Crônica escrita por Gervásio Santana de Freitas
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